sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Os lenços de namorados



Os lenços de namorados


A Arte dos Namorados

A Arte dos Namorados é uma componente fundamental da arte e da cultura popular.

Os Lenços de Namorados apresentam-se como a mais genuína forma poética e artística utilizada pelas moças, em idade de casar.

Constituído por um quadrado de linho, ou de algodão, que a jovem bordadeira bordava a seu gosto, o lenço dos namorados fazia parte do traje típico feminino, mas tinha outra função a desempenhar : a conquista, pela moça do jovem por quem se apaixonara.

Não há muito tempo ainda, que toda a rapariga começava muito cedo a bordar.

Quando mais tarde, casadoira, os olhos teimavam em fugir-lhe para o jovem que no seu intímo já escolhera, começava a bordar o lenço que lhe destinara, dando largas aos sentimentos mais intímos.


História

É provável que a origem dos “lenços dos namorados” ou “lenços de pedidos” esteja nos lenços senhoris do sec. XVII - XVIII, adaptados depois pelas mulheres do povo, dando-lhe consequentemente um aspecto característico.

Antes de tudo, eles faziam parte integrante do traje feminino e tinham uma função fundamentalmente decorativa. Eram lenços geralmente quadrados, de linho ou algodão, bordados segundo o gosto da bordadeira.

Mas não é enquanto parte integrante do traje feminino que nos interessa o seu estudo, mas a sua outra função, não menos importante, e da qual vem o nome : a conquista do namorado.

A moça quando estava próxima da idade de casar confeccionava o seu lenço bordado a partir dum pano de linho fino que porventura possuía ou dum lenço de algodão que adquiria na feira, dos chamados lenços da tropa.

Para realizar esta obra, a rapariga utilizava os conhecimentos que possuía sobre o ponto de cruz, adquiridos na infância, aquando da confecção do seu marcador ou mapa.

Depois de bordado o lenço ia ter às mãos do “namorado” ou “conversado” e era em conformidade com a atitude deste de usar publicamente ou não, que se decidia o início duma ligação amorosa.

Os lenços carregam consigo, por isso, os sentimentos amorosos duma rapariga em idade de casar, revelados através de variados símbolos amorosos como a fidelidade, a dedicação, a amizade, etc.

Estes lenços eram originariamente em ponto de cruz, e por ser um ponto trabalhoso obrigava a bordadeira a passar, durante muitas semanas e mesmo durante meses os serões na sua confecção.

Como a escassez de tempo passou a ser um facto na vida moderna, a mulher deixou de ter tanto tempo para a confecção destes lenços, o ritmo de vida tornou-se mais intenso e a mulher teve que solucionar este problema adoptando no bordado outros pontos mais fáceis de bordar.

Com esta alteração outras se impuseram no trabalho decorativo dos lenços dos namorados : o vermelho e o preto inicial vai dar origem a uma grande quantidade de outras cores, e com elas novos motivos decorativos se impuseram. Os lenços não deixaram porém de ser ainda mais expressivos, acompanhados muitas vezes de quadras de gosto popular dedicados àquele a quem era dirigida tão grande fantasia : O Amado.


Significado

Dentro dos lenços existentes no Minho há uma variedade que pelas suas características se pode localizar com um mínimo de rigor a sua região de origem.

Os recolhidos estão compreendidos mais ou menos dentro da zona do que é o actual concelho de Vila Verde.

Para além destes lenços constituírem parte integrante do trajo do Minho eles eram também usados no Douro Litoral, Trás-os-Montes, Beira Alta, Estremadura, Alentejo e Açores.

“Os lenços de namorados” constituíam a um dado momento uma prova da declaração feita pela bordadeira ao seu namorado e na maior parte dos casos esta declaração era atendida e o conversado comprometia-se, também, publicamente nesta ligação usando o lenço por cima do seu casaco domingueiro, colocado ao pescoço com o nó voltado para a frente.

Caso a rapariga não fosse correspondida o lenço voltaria às suas mãos. Se o namorado trocasse de parceira fazia chegar à sua antiga pretendida o lenço, fazendo-o acompanhar de todos os objectos que daquela possuía : fotografias, cartas, etc.

Outras vezes os lenços eram motivo duma simples brincadeira ou troca de palavras. Nas festas os rapazes tiravam os lenços das raparigas simulando uma ligação amorosa. Quando o rapaz já tinha namorada o facto de simular uma ligação com outra ao roubar-lhe o lenço era muitas vezes motivo de desavença entre a sua namorada e aquela a quem o lenço tinha sido roubado.

O lenço no rapaz para além de ser usado por cima do casaco domingueiro podia, também, ser usado na aba do chapéu ou até mesmo na ponta do pau que era costume o rapaz trazer consigo.

Quando eram utilizados pelas suas “donas” no seu trajo de festa, estes eram colocados do lado direito da cintura, deixando pender uma das pontas, dando assim à sua indumentária uma graciosidade particular.

Os lenços traduzem os mais variados sentimentos duma rapariga em idade de casar, quer manifestados através dos símbolos que se prendem com a fidelidade, quer através de símbolos religiosos que referem o acto específico do casamento, ou ainda através de quadras de gosto popular, que na maior parte dos casos denunciam a ignorância ortográfica da bordadeira, pois facilmente nos deparamos com erros ortográficos dos mais variados.

Por vezes são também testemunhos de épocas (a emigração para o Brasil), de trabalhos agrícolas (vindimas) e até de críticas sociais. Em alguns dos lenços por nós recolhidos aparece mesmo o reverso do tema característico destes lenços, o desamor e alguns deles possuem quadras que embora denotem uma certa dificuldade de relação amorosa, possuem um carácter sobretudo provatório para com o namorado.

Tudo era feito em função da fantasia das fantasias (o Amor) e ele de facto parece ser a causa directa desta rica e exuberante manifestação artesanal.


Simbologia e composição decorativa

Segundo o professor Mota Leite os lenços eram na sua maioria de algodão branco, dos chamados lenços da tropa, que as raparigas adquiriam na feira e não de linho caseiro por este não permitir um trabalho muito perfeito no acto de bordar, devido às imperfeições de acabamento.

Os lenços mais antigos que nos foi dado encontrar são de linho fino e de algodão.

O ponto de cruz parece ter sido o ponto original destes lenços e por isso a sua confecção era muito morosa, levando por vezes semanas e até mesmo meses de serões pacientes no fabrico de uma fantasia que para a bordadeira era única, pois nele iam os seus sentimentos amorosos mesmo que indecifráveis para quem de fora os pudesse olhar.

A rapariga antes de se iniciar propriamente no trabalho destes lenços era ensinada na sua infância a trabalhar o ponto de cruz nos chamados marcadores ou mapas, onde adquiria a perfeição necessária para mais tarde, já moça, passar à confecção dos “lenços dos namorados”.

Os lenços de namorados são geralmente de formato quadrado com dimensões que variam entre os 50 a 60 cm, com uma rica simbologia ligada à fidelidade à ligação amorosa e ao acto do casamento.

A fidelidade está presente na representação da pomba e do cão; a ligação amorosa, na representação variada do par de namorados, na silva que significa a prisão amorosa e na chave que une os dois corações; e finalmente o acto do casamento que está presente na representação de símbolos religiosos como a cruz, o vaso, o cibório, a custódia e o candelabro.

A decoração porém não se limita à representação destes elementos, mas de facto são estes os mais usados nos lenços de ponto de cruz. Apenas ressalvamos os vários tipos de ramos e a grega (espiral grego), representação geométrica que comporta em si um valor ancestral de grande importância : a própria vida do homem; a linha da vida, à qual o casamento se liga de forma incisiva e profunda : a perpetuação da espécie humana.

Apesar de poderem apresentar várias cores, como o verde ou o azul, os lenços de ponte de cruz limitam-se geralmente à utilização do vermelho e do preto obtendo-se deste modo uma grande sobriedade. De facto toda a decoração destes lenços é depurada, sendo curiosamente baseada toda a representação num modelo geométrico onde predomina a simetria. Assim um ângulo do lenço é igual ao outro ângulo, permitindo que os outros dois sendo iguais entre si possam ser diferentes dos dois primeiros. Predomina portanto a forma, na composição decorativa nestes lenços de ponto de cruz e, cada ângulo do lenço vai dar ao centro do lenço e é a partir dele que se constrói toda a decoração. Este tipo decorativo nem sempre é respeitado com rigor, mas é esta a disposição que predomina nas composições.

Com o andar do tempo a vida começou a ser mais agitada, a disponibilidade da bordadeira passou a ser menor e a morosidade na confecção dos lenços teve que ser de alguma forma evitada. A estratégia da bordadeira para diminuir esse tempo foi encontrada na utilização de outra variedade de pontos mais fáceis de bordar, como o “ponto pé-de-flor” ou o “ponto de cadeia” entre outros.

Logicamente, como consequência, a traça originalíssima dos lenços iria sofrer algumas alterações significativas, porém o espírito com que eram confeccionados era sem dúvida o mesmo.

As alterações que se vão notar mais significativamente prendem-se com as cores utilizadas : as cores vermelhas ou negras deram origem a uma policromia, que de resto deu a estes lenços uma maior popularidade, os motivos decorativos vão alargar o seu primitivo leque na simbologia empregue.

Por vezes existe o excesso de decoração geralmente fitomórfica que nos dá a impressão que a simetria é sacrificada pelo efeito decorativo. Este fenómeno torna-se mais visível quando a exuberância de cores empregue é maior.

Aí é o efeito decorativo que sustenta toda a composição, onde nesse excesso o nosso olhar quase se perde.

As próprias quadras populares são nomeadamente sacrificadas à composição, pois são escritas a várias cores, possuindo também elas uma função decorativa na composição.

A temática nestes lenços é muito variada e vai desde a representação dos símbolos relacionados com a temática das vindimas (a cesta, a escada, o cântaro e o pipo) ao tema da emigração, traduzida não só nas quadras que o próprio lenço comporta, mas na utilização de símbolos com ela relacionados (o navio, a pomba que transporta uma carta, etc.), passando pela representação de símbolos ligados a crenças religioso-pagãs, como seja a representação da estrela de Salomão (a estrela de cinco pontas) de duplo significado, ao mesmo tempo símbolo do homem e símbolo do diabo (besta), vista direita ou invertida respectivamente. Ela é ao mesmo tempo o símbolo utilizado pelo povo contra qualquer maldição ou feitiçaria.

Neste caso a defesa do amor encontrado contra qualquer maldição. Noutros lenços toda a decoração parte dum canto do lenço e é a partir daí que se desenvolve. Em todos porém o tema do amor está presente quer através da representação de corações quer mesmo através da palavra amor neles bordada.

Se alguns lenços chegam a possuir quadras que poderemos interpretar como amores não correspondidos quer nos parecer que essas quadras são mais de provocação, dirigidas ao namorado e não propriamente casos de "amor impossível".

Mais “clássico” ou mais “barroco” na exibição decorativa, em todos está presente a temática amorosa.


Dizeres e quadras populares

“Quando um jovem se encontra fortemente apaixonado, (...), tudo nele é poesia”
Dr. Teixeira de Sousa

Poesia que nos lenços de namorados se revela na forma de quadras populares, expressando o sentir da sua dona : amor, ternura, desejo, apreço, ansiedade, entrega, sinceridade, saudade, ciúme, desgosto, tudo isto num bom sabor popular característico da mulher minhota.

Raros são os lenços que não apresentam um ou dois dizeres, onde os erros de ortografia reinam, pois lembremos que a maioria das bordadeiras não sabiam ler nem escrever, limitando-se a copiar as letras e palavras de marcadores já elaborados.

Nestas quadras não se pode procurar concordância ou respeito pelas regras de ortografia. Há letras invertidas, letras que faltam ou que sobram, outras indecifráveis daí que seja necessário interpretar estes dizeres tão próprios do povo do Minho.

No entanto as quadras têm um elo em comum : o Amor, a temática subjacente à própria natureza dos Lenços de Namorados, onde é, na maioria das vezes, expressa por uma promessa de amor, como podemos constatar nas quadras seguintes :
E tan certo eu amarte
Como o lenço branco ser
Só deixarei de te amar
Cuando o lenço a cor perder
O meu coraca
O/ so a ti adora
So por ti suspi
Ra/ so por ti chora

Outra das representações encontradas em algumas quadras são as declarações de amor por parte da rapariga :
OT EULADOSATISFEITA
PASSOANO UTEIUDIA
SOTUS U M E U E NCANT
OAM I NHADOCE.ALEGRIA
(Ao teu lado satisfeita
Passo a noite e o dia
Só tu és o meu encanto
A minha doce alegria)

Não tão comuns mas que ainda se pode presenciar são as iniciativas das bordadeiras em oferecer o seu coração solitário. Nestas quadras podemos ver duas maneiras de o fazer : a primeira a bordadeira manda o lenço dar provas das suas aptidões a toda a freguesia para arranjar partido; na segunda mostra a sua lealdade a quem a quiser amar.
Bai lenco da minha mao
Bai currer a freguesia
Bai dar em formações
Da minha sabeduria
Méu curação lial quem
Mo qizér amar
Merserá gárnde
Castigo quem no cizér falsiar

Os Lenços são também formas de as moças expressarem as suas saudades e promessas de amor aos rapazes que se ausentam das suas terras. Podemos ver por exemplo nas seguintes inscrições :
Aqui tens meu coração
E a chabe pró abrir
Num tenho mais que te dar
Nem tu mais que me pedir.
Bai carta feliz buando
Nas asas dum passarinho
Cando bires o meu amor
Dále um abraço e um veijinho

Ou ainda ...
Meu Manel bai pró Brasil
Eu tamen bou no Bapor
Guardada no coração
Daquele quê meu amor
Meu Manel bai pró Brazil
Eu tamem bou no bapor
Gardada no coração
Daquele qué meu amor

Evidentemente que nesta preciosidade artesanal podemos encontrar além destes outros estilos de quadras bordados nos lenços. Contudo, apenas nos limitamos a referir algumas. O certo é que os lenços de namorados pelos dizeres que contêm, pelo seu simbolismo e o seu significado sentimental se apresentam como a mais genuína forma de poesia popular utilizada pelas moças do Minho em idade de casar.


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